Não, não desapareci nem me esqueci de que tinha de vos contar todas as minhas aventuras londrinas. Na verdade, os últimos dias foram uma correria. Empacotámos a vida em caixas (47 no total, dá para acreditar?), passeámos pelos poucos locais que ainda estão por visitar e aproveitámos o verão que pareceu chegar mais cedo. De repente, é dia 12 de Abril e faltam apenas dez dias para outra grande aventura começar. A nossa vida em Portugal. Wow.
Mas e vocês? Vocês que querem fazer o caminho inverso? Vocês que estão mais do que preparados para mudar, de malas e bagagens, para o Reino Unido? É sobre isso mesmo que vos falo hoje. O que precisam de fazer antes de mudar de ares e embarcar na vossa própria aventura?
Preparem-se. Vão buscar o vosso caderno de apontamentos. Eu conto-vos tudo.
{Por favor, lembrem-se de que tudo aquilo que vos escrevo é baseado na minha própria experiência. Poucos planos, muita acção no local: encontrei trabalho e casa quando já cá estava; nada foi feito à distância. Se sentem que devem fazer de outra forma, façam-no. O mais importante é aquilo que vos deixa mais confortáveis.}
1. Escolher a cidade
Se aquilo com quem sempre sonharam foi viver no Reino Unido, não tenham medo. Venham. Esqueçam o Brexit (e as reportagens assustadoras da TVI): há trabalho, há boa qualidade de vida, há paz, sossego e segurança. Claro que há pessoas que não sabem o significado de solidariedade, de amizade e de respeito, mas elas também existem em Portugal. Por isso, descansem os vossos pais e avós e expliquem-lhes que, quando regressarem, fá-lo-ão com um horizonte muito mais alargado. Ainda assim, o Reino Unido é muito grande. Por isso, o primeiro passo é pesquisar sobre os lugares que mais se adequam ao vosso estilo e nível de vida, ao tipo de trabalho que pretendem ter e aos vossos objectivos. Para mim, a primeira escolha foi sempre Londres. E, se voltasse, continuaria a ser Londres. Londres é o coração desta ilha. É uma cidade gigante, que nunca dorme. É uma cidade tão grande que cabem nela centenas de mundos (e todas as suas "freguesias" são tão diferentes entre si que, se se fartarem de um estilo de vida, podem sempre mudar de freguesia e descobrirem-se novamente). Aqui há sempre qualquer coisa para fazer, descobrir e conhecer. Mas atenção: Londres é a cidade mais cara. Um quarto, em boas condições, numa casa aceitável, pode custar £800 ou mais, e uma casa, na Zona 3, custa, em média, £1200 por mês. Claro que, se o teu objectivo for poupar dinheiro, poderás optar por partilhar quarto ou por viver em shared accommodation (irei falar disto nos próximas publicações), mas, mesmo assim, é bom ter em atenção os elevados custos de vida da cidade. Se quiseres optar por cidades mais baratas, sem perder, no entanto, a vida social, poderás experimentar Cardiff, Bristol ou Brighton, por exemplo. Se não quiseres ficar muito longe de Londres, Windsor ou Oxford são também boas opções: se escolheres morar nestas cidades, poderás, por exemplo, trabalhar em Londres. Quando fiz a minha pesquisa, antes de vir, as minhas opções incluíam também Liverpool e Manchester, mas a verdade é que ambas me pareciam muito escuras e sem grande vida. Além disso, serei sempre uma mulher do sul, portanto o norte do Reino Unido continua, para mim, fora de questão.
2. Definir um budget
Quanto dinheiro precisas de trazer contigo? Esta era a minha maior questão, quando decidi viver em Londres. A verdade é que atirei um valor um bocadinho para o ar e decidi que esse valor teria de ser suficiente para um mês, sendo que, ao final de um mês, eu tinha de conseguir um trabalho. Para mim, era mais importante mentalizar-me de que tinha de arranjar um trabalho, do que fazer as contas todas direitinhas e contar com ficar mais do que um mês desempregada. No bolso, trouxe 5000€. Se deu? Deu. Se deu para viver à vontade? Não. Portanto, façam as contas tendo em conta os vossos objectivos e o estilo de vida que querem ter no início. Se quiserem encontrar um trabalho específico, não estando disponíveis para agarrar "qualquer coisa", dêem a vocês próprios um prazo maior e tragam mais dinheiro. Se estiverem dispostos a aceitar o primeiro trabalho que vos oferecerem, então não precisam de quantias muito grandes. Os meus 5000€ duraram dois meses. Com eles paguei dois passes mensais, um mês e meio de renda no AirBnb onde fiquei instalada, um mês de renda e a caução do quarto que aluguei a partir de Agosto, comida para dois meses (comprada em supermercados baratos, como o Tesco ou o Iceland), alguma roupa que precisei de comprar para as entrevistas de emprego e 100€ que deixei de parte para a minha vida social (pouco social, vá) da altura (isto incluiu duas aulas de yoga e um bilhete para conhecer a Rachel Brathen!). Vivi muitos dias na corda bamba e chorei muitas vezes a achar que nunca ia encontrar trabalho, mas a verdade é que o objectivo de encontrar trabalho em um mês resultou e comecei a trabalhar a 27 de Julho de 2015. Se era o meu trabalho de sonho? Não. Mas acreditem que aprendi muito a trabalhar neste país.
3. Arranjar um lugar provisório para ficar
Se querem um conselho, não tentem arranjar casa à distância a menos que conheçam alguém que já esteja no país e que possa ir verificar a casa por vocês. Há demasiados esquemas ilícitos com habitações no Reino Unido, exactamente porque há uma grande procura. Por isso, o melhor é mesmo encontrar um apartamento ou quarto provisório para os primeiros tempos. Falem com amigos que vivam no país ou com pessoas que pensem poder conhecer alguém de confiança com contactos aqui para vos arranjar um lugar para um mês. Alternativamente, utilizem plataformas como Couchsurfing ou AirbBnb ou escolham um hostel barato que vos possa albergar. Aquilo que escolhi fazer foi entrar em contacto com a minha professora de yoga que viaja bastantes vezes para o Reino Unido e conhecem muita gente por estes lados. Por sua vez, ela falou com uma amiga que cá vive, que falou com outra amiga que tinha quartos para alugar por um mês e foi assim que acabei a conhecer a Ros, a pessoa mais querida que me podia ter recebido em Londres. A Ros alugava os quartos no AirBnb e, durante um mês, acabei por conhecer holandeses, alemães e italianos que foram passando pela sua casa. A casa era super confortável e a Ros tinha um especial interesse por ecologia e permacultura, por isso acabei a aprender imenso com ela.
4. Estudar inglês
Se é preciso saber falar fluentemente inglês para viver no Reino Unido? Não. Conheço muitas pessoas que entendem e falam apenas e básico e não só trabalham como vivem à vontade no país, deslocando-se, indo às compras e frequentando outros espaços públicos. Muito do inglês que a maior parte de nós sabe falar foi aprendido aqui, porque, obviamente, cada lugar tem as suas formas de expressão. Eu própria não sabia mais do que o básico, mas em apenas um mês o meu inglês melhorou bastante. Mas, apesar disso, acredito que deve haver um esforço para aprender mais. Quando digo "estudar inglês" não estou a dizer que devem ter aulas da língua ou algo do género, mas interessem-se por conhecer e saber mais. Antes de virem, leiam muito em inglês, vejam filmes britânicos, vejam as maiores diferenças entre o inglês americano (aquele que a maior parte de nós fala) e o inglês falado no Reino Unido, façam exercícios de gramática e vocabulário no Duolingo. Tudo isto vai deixar-vos mais à vontade em compreender e em não ter tanta vergonha de falar. Apesar de haver quem viva no país sem falar a língua, sou da opinião que, se queremos inserir-nos na sociedade e criar ligações com os mundos que cabem neste país, devemos, pelo menos, conseguir expressar-nos em inglês. O resto vem com o tempo.
5. Peçam o Cartão Europeu de Seguro de Doença
Este cartão é gratuito e pode ser pedido nos balcões da Segurança Social ou online
aqui, permitindo-vos ter acesso a cuidados de saúde em toda a União Europeia como se estivessem em Portugal (em alguns países, o serviço de saúde chega mesmo a ser gratuito). Este cartão é
obrigatório para todos aqueles que vivem no Reino Unido como estudantes ou auto-suficientes. Eu sempre tive o Cartão Europeu de Seguro de Doença, até mesmo em anos em qe não viajei, porque é gratuito e nunca se sabe o que pode acontecer. Portanto, peçam-no!
6. Façam vários currículos e muitas cartas de apresentação
Vejam como está o mercado de trabalho para as áreas em que pretendem procurar ofertas e comecem a desenhar um currículo bonito e uma carta de apresentação. Lembrem-se de que o modelo de CV europeu não é visto com bons olhos por estes lados e apostem em algo criado por vocês, original e detalhado. Esqueçam os modelos utilizados em Portugal, em que o nosso currículo ou tem uma página ou vai para o lixo. Aqui a qualidade é o mais importante. Pesquisem modelos de currículos mais utilizados nas áreas em que pretendem procurar. Por exemplo, se querem trabalhar em atendimento ao cliente o modelo mais indicado é um
deste género. O mais importante é que fale dos objectivos que já foram atingidos na vossa carreira profissional e que inclua uma lista de aptidões.
7. Leiam sobre as leis comunitárias e as leis do Reino Unido
Esta é a parte que só percebi que devia ter feito quando já cá estava. Existem leis que regulam os movimentos migratórios no Reino Unido e nos países pertencentes à União Europeia (da qual o Reino Unido ainda faz parte), às quais temos de obedecer para exercer os nossos direitos enquanto cidadãos europeus. Por exemplo, apenas podemos residir no Reino Unido por um período de três meses sem qualquer estatuto, período após o qual devemos provar que nos inserimos numa das seguintes categorias:
worker/trabalhador por conta de outrém,
self-employed/trabalhador por conta própria,
student/estudante,
self-sufficent/auto-suficiente ou
job seeker/à procura de emprego (temos de estar obrigatoriamente inscritos no Centro de Emprego ou JobCentre, como é conhecido aqui). Um dos melhores websites que devem consultar é o website do governo britânico, em
www.gov.uk, e também o website do Consulado Geral de Portugal em Londres,
aqui. Na página online do governo britânico encontram ainda muitas outras informações úteis que vos podem dar uma ideia de como será a vossa vida aqui. Sabiam que são multados se deitarem lixo (incluíndo beatas) para o chão? E que vos é pedida identificação sempre que tentarem comprar álcool e tabaco (mesmo que tenham 30 anos, mas aparência de 20)? Todos estes pequenos detalhes que parecem não ter importânica nenhuma podem revelar-se bastante úteis quando cá estiverem.
8. Compreendam a história do Reino Unido
Parece pouco relevante, certo? Mas não é. A ilha é gigante e, quando se fala em Reino Unido, fala-se, na verdade, de um conjunto de países que constituem uma união política. É por isso que dizer que se vive em Inglaterra quando na realidade a nossa casa fica em Cardiff é a maior blasfémia que alguém pode proferir à frente de um gaulês. O Reino Unido engloba a Inglaterra, a Escócia, o País de Gales e a Irlanda do Norte. A Inglaterra, a Escócia e o País de Gales ficam na ilha da Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte faz fronteira com a República da Irlanda, que é outro país, independente do Reino Unido. Situados? Abaixo da ilha, há ainda outras pequenas ilhas, chamadas ilhas do canal (entre a Grã-Bretanha e a França). Por exemplo, em Jersey, uma delas, a população portuguesa imigrante é maioritariamente de origem madeirense. Sabiam disto? Há muitos outro tópicos sobre a história que é bom saberem antes de se mudarem para que não cometam erros e acabem a ofender os britânicos!
Depois de todos estes passos dados e quando se sentirem confortáveis, comprem o bilhete de avião e façam as malas. Se são pessoas que, como eu, tendem a procrastinar comprem o bilhete de avião primeiro (depois de escolherem a cidade onde querem morar) e depois comecem a tratar dos passos seguintes. De qualquer forma, confiem. Confiem que tudo vai correr da melhor maneira. Definam o vosso plano de acção e vão adaptando consoante o que for acontecendo. Sinceramente, flexibilidade é talvez a palavra mais importante quando se dá um passo tão gigante como este. Nem sempre tudo vai correr como queremos; por vezes vamos mesmo querer desisitir de tudo isto. Mas sendo flexíveis e seguindo o nosso coração chegaremos sempre aonde quisermos.
Com amor,
Joana
PS.: Obrigada a todos aqueles que enviaram e-mails e comentários com perguntas e temas que gostavam de ver abordados nesta rubrica, Viver em Londres. Todas as vossas ideias vão ser incluídas nas próximas publicações.